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Caso Elize Matsunaga: quando a lei permite, mas a sociedade impede a reinserção

O Brasil é palco, frequentemente, de casos jurídicos icônicos que nos levam à várias reflexões sobre o nosso dia a dia e sobre os nossos comportamentos.

O Brasil é palco, frequentemente, de casos jurídicos icônicos que nos levam à várias reflexões sobre o nosso dia a dia e sobre os nossos comportamentos.

Como advogado, por motivos óbvios, acabo sempre analisando muito mais pelo ponto de vista jurídico do que pelos aspectos humanos ou emocionais, mas nunca sem me atentar à voz da sociedade.

E é o que faço nos últimos dias sobre o caso da Elize Matsunaga, condenada por ter assassinado e esquartejado o próprio marido em 2012, na época o CEO e herdeiro de uma grande empresa de alimentos. A pena inicial de 19 anos de prisão foi corretamente reduzida para 16, pois Elize confessou o crime. Destaco que tal benefício foi completamente ignorado nas instâncias anteriores até que o STJ decidiu pela concessão do direito.

Depois do crime, da prisão e da condenação, Elize ficou quase dez anos presa e recentemente progrediu de regime prisional, ganhando o direito de cumprir, neste momento, o restante de sua pena em liberdade parcial, estando livre para trabalhar durante os dias, mas com a obrigação de retornar ao Sistema Penitenciário para dormir - a chamada liberdade condicional.

Tudo dentro da lei: Elize cometeu o crime quando não tinha nenhum antecedente criminal. Foi presa e cumpriu a contento parte de sua pena, não tendo, durante o período de seu encarceramento, qualquer atitude capaz de macular sua ficha prisional e prejudicar a análise dos requisitos legais para sua progressão de regime.

Nesse caso, é possível, inclusive, afirmarmos que o processo penal brasileiro funcionou. Todos os trâmites foram cumpridos e, ao que parece, agora o Estado inicia o seu trabalho de ressocialização do preso, o que não ocorre na maioria dos casos.

O atual processo vivido por Elize Matsunaga com o aval do Estado tem o objetivo de reinseri-la ao convívio social. Pessoas privadas da liberdade, quando soltas depois de cumprirem todas as obrigações impostas pela lei em razão do seu ato ilícito, devem ter a chance de seguirem suas vidas sem outros prejuízos ou colocando em risco para a população. É o Estado agindo como reeducador do infrator.

Mas é isso que assistimos nos últimos dias, após Elize ser “flagrada” atuando como motorista de aplicativo? É isso que estamos vendo no tratamento que está sendo dado a ela em razão de suposta utilização de um documento falsificado? Não. Estamos acompanhando um verdadeiro linchamento virtual que deixa claro o descontentamento de parte da sociedade com a liberdade concedida.

Penso que, se a sociedade continua descontente com a liberdade de uma pessoa que cometeu um crime, mesmo após anos de reclusão, é a hora de promover uma discussão mais aprofundada sobre as leis vigentes, e não partir para o que eu considero perseguição ou stalking contra a reeducanda. Ela fez o papel dela, cumpriu o "acordo" que lhe foi imposto. Se ficou pouco tempo presa na opinião da sociedade, é a lei que deve mudar. Mas não se pode admitir uma "penalização velada" de parte da sociedade discordante com o benefício concedido.

E é nesse momento que o Estado peca, pois simplesmente ignora as vozes do povo, ao invés de escutar o anseio popular e promover mudanças pautadas pelo trâmite correto, com a apresentação de projetos de lei, avaliação cautelosa do Legislativo, sanção presidencial e aplicação respeitando eventual vacância legal.

Do contrário, esse tipo de repúdio social continuará ocorrendo de forma indireta e o resultado prático não afetará a legislação e o Estado de Direito, mas sim determinadas pessoas que serão constantemente tolhidas do seu direito de se ressocializar.

*Leonardo Watermann é advogado criminal.