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Conselho de administração e a lei
Fernando Albino
Os conselhos de administração das sociedades por ações surgiram com a Lei nº 6.404, de 1976, a nossa lei de sociedades anônimas. Antes disso, como foros de decisão havia apenas as assembléias gerais e a diretoria. Os conselhos tornaram-se obrigatórios para as sociedades abertas, isto é, aquelas que tivessem seus valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa de valores ou em mercado de balcão, e facultativos para as demais sociedades, fechadas. Mais de trinta anos depois, a experiência demonstrou que a concepção do órgão padece de vários problemas, entre os quais a sua distância da gestão das companhias.
Por trás dos conselhos está a idéia de que eles seriam instâncias normativas que fixariam as diretrizes básicas das sociedades e as estratégias dos negócios. Daí a sua competência: orientação geral dos negócios da companhia, eleição dos diretores e fixação de suas atribuições, fiscalização da gestão dos diretores escolhidos, manifestação sobre o relatório da administração e as contas da diretoria e escolha dos auditores independentes (artigo 142). Além dessas atribuições obrigatórias, o estatuto social pode estabelecer quaisquer outras, de molde a dar ao conselho maior ou menor ingerência nos negócios sociais, inclusive a aprovação prévia de contratos e operações e a autorização para emissão de ações.
A leitura do dispositivo faz crer que o conselho seja órgão de grande poder. Mas na prática não vem sendo assim, na maioria dos casos. Os conselhos têm se mostrado desinformados do andamento dos negócios da empresa, e mesmo ausentes em suas decisões cruciais. Normalmente, os conselheiros têm sido chamados quando as decisões dos acionistas já estão tomadas, caso em que apenas as referendam, evidentemente com pleno respeito da legislação e das boas práticas de governabilidade. Ou então, aprovam determinadas operações e negócios com base em propostas e relatórios da diretoria, sem terem sido envolvidos previamente na discussão e sem o adequado tempo para reflexão e apresentação de eventuais alternativas. Essa situação subsiste apesar de todos os esforços de instituições de mercado e das próprias companhias para o aperfeiçoamento dos conselhos e de suas atribuições. Entre as evoluções mais recentes e eficazes, deve ser ressaltada a regra da maioria de conselheiros independentes adotada para as companhias do chamado novo mercado.
O que está errado: a lei ou a maneira de atuar do mercado? Ambos, no nosso entender, ainda que o mercado tenha atuado nos limites e estimulado pela lei. O conselho de administração tal como concebido pela lei brasileira é único. Melhor seria que a sua adoção tivesse tido por referência a plenitude do direito norte-americano nesse particular, onde a board of directors tem funções executivas, não meramente normativas. Dito em palavras simples, os conselheiros precisam também "assinar" e não apenas "aprovar". Torna-se necessário que a lei determine que os conselheiros devam exercer a efetiva administração das companhias e estejam envolvidos em seus negócios tal como os diretores, não como meros representantes dos acionistas. Assim, os conselheiros poderiam ser pessoas da efetiva e diária operação da companhia, recrutados entre os quadros mais experientes e longevos e conhecedores do negócio por muito tempo. A junção entre diretores jovens recrutados em mercado e profissionais mais experientes gerados nos quadros das companhias as dotaria do melhor do conhecimento com o melhor da energia e proposta de inovação.
Uma das razões pelas quais a lei desenha a competência do conselho como mero órgão normativo é a de fazê-lo um foro de representação dos vários grupos acionários, o que reflete a gradativa pulverização do controle, já antevista há trinta anos pelos excepcionais juristas que elaboraram a lei. Entretanto, os acordos de acionistas, que também foram concomitantemente criados pela lei, acabaram por manietar os poderes dos conselheiros, pois os seus votos devem ser dados no interesse e seguindo a orientação dos acionistas que os elegeram. Nesse particular, para as questões normais, sem grandes polêmicas de interpretação, acaba sendo um princípio formal o de que os conselheiros devem se guiar pelos interesses das companhias, não dos grupos que os elegeram, pois é natural que defendam os pontos de vista daqueles que os colocaram na posição, até porque essa a finalidade de sua eleição. Dito em linguagem eleitoral, cada conselheiro tem a sua investidura justificada pela consistência de suas posições como representante do grupo que o elegeu. Nesse contexto, melhor seria que o foro de discussão dos acionistas não fosse o conselho de administração, mas a assembléia, onde os vários grupos poderiam expor os seus pontos de vista e defender as suas opiniões. Essa discussão poderia ser precedida de "reuniões prévias" reguladas no âmbito dos acordos de acionistas, como, aliás, já tem sido feito na prática. A lei deveria desenhar conselho e diretoria como órgãos executivos e dar maior poder ao conselho consultivo, que deveria ser obrigatoriamente ouvido em certas circunstâncias. Os conselhos de administração atuais mais valem como "consultivos" do que "administrativos" e como tal têm sido muito importantes para as empresas. A lei deveria abrigar a prática e criar conselhos de administração atuantes no dia-a-dia das companhias. No nosso entendimento, essa alteração traria grandes vantagens na governabilidade. O tema merece volta.